Há catorze anos New England escolheu um quarterback, de que não precisava, na sexta ronda do draft. O que os scouts da NFL escreviam sobre ele não era grande recomendação. Era magricela, lento, frágil para aguentar os choques, o braço não era o mais forte nem o lançamento o mais preciso. O relatório terminava dizendo que ainda assim ele tinha “os intangíveis” que podiam compensar algumas das limitações. Ora, foram precisamente esses elementos menos evidentes, que não são facilmente mensuráveis, que fizeram dele um dos melhores quarterbacks de sempre.

Uma história de amor correspondido

Em 99 os Patriots acabaram a temporada com seis derrotas nos últimos oito encontros e o treinador Pete Carroll pagou o preço. Quando Belichick assumiu a equipa havia jogadores a mais e os gastos com o pessoal tinham já ultrapassado os limites impostos pela liga. Era preciso cortar excedentes e se havia posição em que estavam bem servidos era a de quarterback. E no entanto…

Tom_BradyO relatório de Tom Brady para o draft de 2000 não era particularmente abonatório. Ele não se destacava na maioria das qualidades valorizadas num quarterback. Não era o mais rápido, não tinha o braço mais potente nem o lançamento tecnicamente perfeito; era demasiado esguio e não dava garantias de durar. E depois havia a questão Henson, o que baralhou bastante os olheiros. No seu último ano em Michigan, Brady alternava na posição de QB com Drew Henson. Tom iniciava os jogos, Drew entrava no segundo tempo e por aí fora. Brady era o líder do plantel, o treinador dentro de campo, aquele que os companheiros seguiam. Henson era o talento em estado puro e o treinador Carr não queria arriscar perdê-lo de vez para o basebol. Nessa altura, Tom ganhou a alcunha de “cameback kid”, por várias vezes ter entrado em campo com desvantagens significativas e conseguir dar a volta ao marcador. Mas para quem estava de fora, a interrogação era esta: se era tão bom porque não era primeira escolha?

Mesmo não precisando, Bill Belichick estava muito interessado e Michigan sempre disse que o único contacto que recebeu para recolher informações sobre Brady tinha vindo de Bobby Grier. Os homens à frente dos Pats valorizavam a atitude e força mental do jovem quarterback. A situação com Henson era estranha mas ele avaliaram o que viam. As vezes seguidas em que Brady entrava bem nos jogos, era substituído e mais tarde chamado para salvar a equipa. O modo como se superava nas situações difíceis e contra adversários mais complicados. Nas palavras de Belichick, “era um jogador que agarrava as oportunidades e dava o seu melhor quando era chamado”. Ao ser selecionado Brady tornou-se o quarto QB da equipa e treinador decidiu mantê-lo no plantel nesse ano mesmo sabendo que praticamente não teria minutos de jogo. Teve que abdicar de alguém, noutra posição, para isso. Tom teve que esperar um ano mas quando a oportunidade chegou ele estava pronto. E retribuiu a confiança com três Super Bowls, cinco títulos da Conferência Americana e os mais variados recordes.

De escolha da sexta ronda a Hall of Famer

Na noite do draft, Tom Brady viu cento e noventa e oito homens serem chamados à sua frente, uma experiência dolorosa que o marca até hoje, como um espinho encravado. Seis quarterbacks foram selecionados antes: Chad Pennington, pelos Jets; Giovanni Carmazzi, pelos 49ers; Chris Redman, Ravens; Tee Martin para os Steelers; Marc Bulger, pelos Saints e Spergon Wynn, pelos Browns. Hoje nenhum deles é jogador da NFL, dois não jogaram um único jogo como titulares na liga profissional. Tomemos o exemplo de Gio Carmazzi, a escolha de San Francisco. Gio tinha todas as qualidades mensuráveis: era o mais rápido, físico atlético, forte, inteligente, grande lançador.

O jogo do Hall of Fame de 2000 colocou frente-a-frente os 49ers e os Patriots. Havia muito entusiasmo do lado de S. Francisco, esperando que ali nascesse a estrela uma estrela. Mas logo nos minutos iniciais começou a ficar evidente. O estádio lotado, o barulho, as luzes da ribalta e a responsabilidade abafaram Carmazzi. O próximo Joe Montana estava em campo naquele dia, só que alinhava pela equipa contrária. Gio nunca entrou num jogo da época regular e foi dispensado ao fim de duas temporadas. Tom Brady veio a tornar-se um dos melhores quarterbacks da história da modalidade. O todo, neste caso, era imensamente mais valioso que a soma das partes, sobretudo daquelas que são evidentes.