Num passado mais ou menos recente, ou seja, nem muito próximo, nem muito distante, algures ali nos anos ’70 e ’80 do século passado, coincidindo com a ascensão do FC Porto e de Pinto da Costa enquanto dirigente, houve um jogador de futebol que, antes de ter caído em desgraça por traição clubística (que entretanto já recuperou), representou a mística, a magia e a vontade de vencer que passavam a estar associados a um novo FC Porto liderado por Pinto da Costa, e que iria perdurar no tempo.

Chamava-se Fernando Gomes, e ficou conhecido como o bi-Bota de Ouro.

Foi, durante muitos anos, a grande referência atacante do clube da cidade do Porto. Marcava grandes golos, de grande oportunismo, mas também com classe e força de jogo. Seria, depois, ofuscado pelo furacão chamado Mário Jardel. Mas ainda hoje, Fernando Gomes, portista de gema, é o grande craque português de sempre de um FC Porto moderno, virado para fora da sua cidade, para o país e para a Europa. E que acabou, afinal, por ser recuperado.

A Origem de um Matador

Fernando Mendes Soares Gomes, nasceu na cidade do Porto, em Novembro de 1956.

Filho da cidade, começou no futsal, mas cedo passou a jogar futebol e pela equipa mais representativa da cidade, percorrendo todos os escalões de formação até chegar aos seniores, onde entrou quase logo como titular, por mérito próprio, e das suas capacidades de marcar golos.

Fernando Gomes Matador

Fernando Gomes foi um verdadeiro Matador, como o provam os inúmeros golos que marcou e os prémios que conquistou

Esteve numa primeira fase, durante 6 temporadas seguidas no clube do seu coração. Entre 1974 e 1980, Fernando Gomes foi dragão. E foi um seu grande representante. Marcou muito golos. Foi várias vezes o Melhor Marcador do Campeonato Nacional. Deu bastante nas vistas. Por cá, e lá por fora.

Durante esse período, o FC Porto ganhou uma Taça de Portugal e 2 Campeonatos Nacionais, que foram um bi-campeonato. Fernando Gomes muito contribuiu para isso e, só à sua conta, ganhou por 3 vezes a Bola de Prata de Melhor Marcador Nacional.

Mas no final da década, houve um Verão quente no Porto, para rivalizar com o Verão Quente do país (durante o PREC), onde um grupo de jogadores do FC Porto, como Fernando Gomes e António Oliveira, Lima Pereira, Frasco, Quinito, Romeu, Albertino, Sousa, Octávio Machado e Tibi, entre muito outros, solidarizaram-se com José Maria Pedroto, o treinador despedido pelo presidente Américo de Sá, já em rota de colisão com Pedroto e Pinto da Costa e a sua estratégia de guerrilha contra Lisboa. No final do processo, António Oliveira e Octávio Machado foram os únicos que não voltaram atrás nas suas posições e acabaram por sair do clube. Fernando Gomes que, entretanto, se retractara, acabou por ser vendido para o Sporting Gijón, de Espanha, por um valor bastante alto para a época, e assim se afastava, também, um jogador que já era, então, muito querido da massa associativa.

A Queda e a Ascenção

E foi assim que no início da temporada de 1980, Fernando Gomes se muda para o Sporting Gijón, de Espanha.

E começou muito bem essa sua experiência em espanhola, numa altura em que se podia contar pelos dedos das mãos os jogadores portugueses que tinham essa experiência de jogar no estrangeiro. Logo no primeiro jogo que faz pelo Sporting Gijón, contra o Real Oviedo, Fernando Gomes marcou 5 golos. E foi idolatrado. O seu nome gritado ao alto. Como um herói. Mas as coisas não iriam correr pelo melhor até ao fim.

José Maria Pedroto

José Maria Pedroto, que marcaria uma época no FC Porto, acabaria por estar, indirectamente, ligado à saída de Fernando Gomes para o Sporting Gijón

Fernando Gomes passaria duas temporadas em Espanha, mas lesionou-se pouco depois do início da primeira época, e nunca mais voltou a ser o jogador que tinha prometido ser e, no fim dessas duas temporadas, o Sporting Gijón já só queria ver pelas costas o avançado português.

É aí que surge Pinto da Costa. na sua corrida à presidência do clube, arvorou, como bandeira, o regresso do filho pródigo a casa. A sua promessa era de resgatar Fernando Gomes, lesionado e afastado pela equipa espanhola, mas que o futuro presidente do FC Porto acreditaria ser ainda muito precioso na sua estratégia de montar uma equipa vencedora e afrontar o poder estabelecido em Lisboa. E assim fez. E assim foi. Fernando Gomes regressou. E em boa hora o fez.

Os espanhóis não o quiseram? Iria mostrar na sua terra que estava bom e em forma. E mostrou.

Fernando Gomes regressou e regressou para mais sete temporadas de alta rotação nas Antas. Foi um avançado de luxo, daqueles que jogam e fazem jogar. Quem marcam jogos. E golos. Marcam muito golos. E Fernando Gomes voltou a marcar muito golos e a ser, de novo, o Melhor Marcador do Campeonato Nacional. Várias vezes. Em grandes caminhadas nacionais e internacionais. Tornou-se bi-Bota de Ouro. Orgulho do Porto e de Portugal.

Esteve presente na final perdida contra a Juventus na Taça dos Campeões Europeus, mas esteve ausente na outra final, a vitoriosa, contra o Bayern Munique, que deu o primeiro grande título ao FC Porto. A Taça dos Campeões Europeus. Uma lesão afastou-o do que seria o ponto mais alto da sua carreira, e lembra-o com muita mágoa. Mas na temporada seguinte, e já recuperado, ajuda o FC Porto a ganhar a Taça Intercontinental contra o Peñarol, do Uruguai, por 2 a 0, tendo sido, ele próprio, autor de um dos golos.

Neste período, Fernando Gomes ganhou 2 Taças de Portugal, 3 Campeonatos Nacionais, sendo 2 deles consecutivos, 3 Supertaças Cândido de Oliveira, 1 Taça dos Campeões Europeus, 1 Supertaça Europeia e 1 Taça Intercontinental, para além de ele próprio vencer, de novo, a Bola de Prata por 3 vezes, e a Bota de Ouro por 2 vezes. Ufa!

A Revolução

Estavam assim, clube e jogador a festejar os enormes feitos, quando chega ao FC Porto o treinador jugoslavo Tomislav Ivic e que dispara logo que, com ele, Fernando Gomes está acabado. E assim foi. No jogo da Supertaça Europeia contra o Ajax, Ivic substitui Fernando Gomes na segunda-parte, para que o jogador não erga a Taça.

Guerras.

Mas Tomislav Ivic não ficou lá muito tempo pelo Porto. E no final da época vai embora.

E então, chega Quinito e com ele a recuperação de Fernando Gomes, o querido da massa associativa. Mas Quinito não aqueceria o lugar. As coisas não correriam bem, e o treinador deixaria o clube a meio da época e, para o seu lugar, chegariam Artur Jorge e Octávio Machado, e as coisas azedaram, outra vez, para o lado de Fernando Gomes.

Fernando Gomes e o Mural da História

Fernando Gomes e um memorial da memória do que foi uma grande vida desportiva

Incompatibilidades, desportivas e políticas, sociais, e ciúme, muito ciúme, e uma estratégia executiva de permanente guerrilha levaram a estremar posições, entre Fernando Gomes e o grupo técnico, em especial Octávio Machado, mas também com alguns dirigentes que não viam com bons olhos essa atracção dos adeptos pelo bi-Bota de Ouro.

E Fernando Gomes despede-se do seu clube, da sua cidade, e sai, empurrado, pela porta pequena, ele que carregava títulos de campeão às costas e a paixão do adeptos.

O jogador, contudo, porque achava que aos 33 anos ainda tinha muito para dar ao futebol, ao contrário do que pretendiam técnicos e dirigentes portistas, rumou para outro Sporting, mas desta vez o Sporting CP. O que lhe valeu a inimizade de uma parte dos seus antigos amigos, inclusivamente, de Pinto da Costa, e também, e muito, da massa associativa do FC Porto. Não foi bem aceite essa troca de equipa, do FC Porto para um rival, para um adversário directo, ainda mais para o sul, para o país dos mouros, para Lisboa. O que Fernando Gomes fez foi uma heresia, um crime lesa-majestade. E durante anos, Fernando Gomes foi um pária na sua terra natal. Mas, no fim, passou, como tudo passa.

Fernando Gomes esteve 2 temporadas no Sporting CP. Duas temporadas de luxo onde mostrou que ainda tinha muito para dar ao futebol e muitos golos para marcar. O FC Porto sentiu a sua falta.

Mas os anos passaram, as coisas más esqueceram-se e lembraram-se as boas (e foram tantas), e as comadres fizeram as pazes e, neste momento, Fernando Gomes é um dos dirigentes da actual estrutura directiva do clube. Talvez porque tanto se falou que Fernando Gomes quereria, no futuro, ser presidente do FC Porto (e o mesmo já se disse, também, de António Oliveira), levou a que Pinto da Costa o quisesse ali, junto a si.

Mas quezílias à parte, Fernando Gomes está naquele patamar das grandes estrelas nacionais, onde cabem muito poucos, e onde só estão os excelentes. Como ele.

Boas Apostas!