Dia 15 de dezembro de 1995: o Tribunal de Justiça da União Europeia dá razão a Jean-Marc Bosman, um jogador mediano dentro das quatro linhas, mas com um espírito altamente reivindicativo que levou até às últimas consequências. A intransigência do Liège em abdicar dos seus serviços, depois de lhe proporem a renovação com um corte salarial significativo, despoletou uma guerra aberta entre o jogador e a Federação Belga/UEFA. O processo, que começou em 1990, levou cinco anos na Justiça, acabando naturalmente com a carreira de Bosman. Porém, o sacrifício do belga mudou o futebol para sempre. A situação culminou com o Acórdão Bosman, que abriu as portas dos campeonatos Europeus a qualquer futebolista com passaporte comunitário. Esta alteração mexeu com tudo o que diz respeito à gestão dos clubes de futebol, alterando alguns dos princípios seculares que regulavam este desporto. A UEFA quer agora retomar as rédeas do jogo com a criação do conceito de Fair-Play financeiro.

Recentemente, surgiu a notícia de que o Sporting será alvo de uma auditoria por parte do Comité de Controlo Financeiro dos Clubes da UEFA. Em causa parece estar o Fair-Play financeiro. O fair quê?, perguntarão os leitores. Que razões estão na base da implementação deste conceito? Que contas são auditadas pelo Comité de Controlos? Quais as punições em caso de incumprimento? Que resultados são expectáveis? O Futebol Premier responde a todas estas questões nas próximas linhas.

O que É

O conceito de Fair-Play Financeiro é simples: os clubes não devem efetuar despesas superiores às respetivas receitas. Quanto às contas internas do clube que interessam para o efeito, as variáveis são quatro:

  1. Receitas Operacionais: receitas provenientes das transferências de ativos, direitos de transmissão e patrocínios;
  2. Despesas Operacionais: despesas efetuadas em transferências e todos os custos associados a funcionários do clube;
  3. Exclusão ao Défice: não são contabilizadas as despesas com atividades extra futebol, escalões de formação nem salários anteriores a Junho de 2010;
  4. Transferências: o investimento concretizado na aquisição de um jogador é dividido, para efeitos de declaração, pelos anos de contrato propostos. Imaginemos que um determinado clube contrata um atleta por 30 milhões de euros, oferecendo um contrato válido por três anos. Em cada um desses anos, o clube declarará custos de 10M/ano, mais o salário anual que o jogador aufira.

Os clubes que se qualifiquem para as competições da UEFA não podem ter situações de incumprimento com clubes, jogadores, segurança social ou outras entidades fiscais. Para efeitos de controlo, tal como já foi enunciado, a UEFA criou o CFCB – Comité de Controlo Financeiro dos Clubes da UEFA.

O que Levou à Criação do Fair-Play Financeiro (FFP)?

Jean-Marc Bosman

Em rigor, tudo começou com Jean-Marc Bosman

O Fair-Play financeiro foi criado com o intuito de travar os investimentos desmesurados dos grandes colossos do futebol. A finalidade foi instituir uma mentalidade mais sustentável em termos de gestão, obrigando os responsáveis a pensarem a médio/longo prazo, não recorrendo a soluções imediatas no curto-prazo, mas de consequências imprevisíveis a longo-prazo. Sustentabilidade é o termo chave.

Os casos de falência, as aquisições de atletas a preços astronómicos e as dívidas milionárias são razões indissociáveis da instituição do Fair-Play financeiro. Embora tenha sido dado a conhecer em 2010, o FPF só entrou em vigor na temporada 2013/14, não descurando no entanto os resultados do exercício financeiro das duas épocas anteriores.

Por lei, os clubes não podem registar perdas superiores a 45 milhões de euros no conjunto das duas últimas temporadas, sendo que, com o passar do tempo, a tolerância diminuirá e o valor-limite cifrar-se-á em 30 milhões. A UEFA prevê que este limite entre em vigor a partir da temporada 2015/16.

Tolerância Até que Ponto?

Os clubes podem apresentar prejuízo desde que o valor não seja superior ao valor estabelecido e os donos/acionistas possam cobrir essa dívida, o que evidentemente constitui um risco para a respetiva propriedade. Para efeitos de injeção de capital em determinado clube – imaginemos que o Sheik Mansour pretende colocar dinheiro no Manchester City através da Etihad Airways – a UEFA tem o direito de acompanhar a operação e ajustar a quantia de modo a não violar qualquer regra. Se a instituição registar perdas superiores a 45 milhões de euros, a UEFA tem a liberdade de agir e aplicar sanções/punições imediatas. Numa primeira fase, poderá ficar-se por uma advertência ou coima. Num segundo nível há a possibilidade de dedução de pontos ao clube em questão, retenção de prémios de jogo – aconteceu recentemente com Bursaspor, Cluj, Astra Giurgiu, Ekranas e Budúcnost Podgórica – e proibição de inscrição de jogadores nas competições UEFA. Em caso extremo, a punição vai da exclusão do clube das competições europeias, à retirada de um título ou prémio. Segundo informações facultadas no site da UEFA, desde que a política de licenciamento dos clubes participantes começou, em 2003/04, já foram excluídos 44 clubes que tinham garantido acesso à Champions ou Taça UEFA/Liga Europa desportivamente.

Entraves à Avaliação do Cumprimento do Fair-Play Financeiro

Frank Lampard

Frank Lampard no Manchester City, ou como contornar o Fair-Play financeiro

O milionário Manchester City criou filiais como o New York City FC ou o Melbourne City FC. Para quê? Supostamente para promover o futebol e alargar a influência do clube inglês a outros territórios. Porém, estas criações não serão alheias à intenção de contornar o Fair-Play Financeiro. Veja-se o caso de Frank Lampard: adquirido pelo New York City FC, foi emprestado ao Manchester City até ao início da competição nos Estados Unidos. Para efeitos de avaliação levada a cabo pela UEFA, o elevado salário já não entrará nas contas.

Quanto a ativos que são propriedades de terceiros, ou partilhados com outras sociedades, a UEFA coloca a bola do lado da FIFA. Embora obrigue os clubes a declararem a que entidades pertencem os passes dos atletas, não pode intervir diretamente neste tipo de situações, o que constitui mais uma forma de contornar as restrições impostas. Segundo pode ler-se no site do organismo que tutela o futebol europeu, já foi feito um pedido junto da FIFA para que seja tomada uma posição clara quanto a estas situações.

Que Efeitos Serão Expectáveis?

Esta fiscalização poderá ter influência na melhoria da competitividade e aproximará os clubes de média dimensão dos colossos europeus? Não. É quase uma utopia tendo em conta o poder e influência que esses clubes conquistaram ao longo dos últimos anos. Além disso, as entidades competentes não assumem esse objetivo. Têm por meta, isso sim, aligeirar as diferenças e incentivar uma gestão interna mais cuidada e com noção de que existem repercussões a longo prazo que devem ser tidas em conta. Está em causa a saúde financeira do futebol europeu.

A Investigação ao Sporting

A renegociação da dívida com os bancos é uma das medidas que marca a liderança de Bruno de Carvalho à frente do clube de Alvalade. No entanto, e tal como foi anteriormente referido, para efeitos de Fair-Play financeiro são tidas em consideração as contas referentes às últimas duas épocas pré-instituição do FPF. E nos períodos em causa, – 2011/12 e 2012/13 – o Sporting de Godinho Lopes apresentou resultados negativos, de 45,9 e 43,8 milhões de euros, respetivamente. É esta a razão na base da investigação que será levada a cabo pelo Comité de Controlo Financeiro dos Clubes da UEFA. O clube reagiu oficialmente prontificando-se a colaborar com a UEFA, acrescentando que esta situação não constitui uma novidade para direção e associados e tem sido retificada ao longo do novo mandato.

Boas Apostas!